O Mais Sagrado Direito do Homem
- Atos 1-3
Atos 1
Ouça o áudio do capítulo:
1 Fiz o primeiro tratado, ó Teófilo, acerca de tudo que Jesus começou, não só a fazer, mas a ensinar,
2 Até ao dia em que foi recebido em cima, depois de ter dado mandamentos, pelo Espírito Santo, aos apóstolos que escolhera;
3 Aos quais também, depois de ter padecido, se apresentou vivo, com muitas e infalíveis provas, sendo visto por eles por espaço de quarenta dias, e falando das coisas concernentes ao reino de Deus.
4 E, estando com eles, determinou-lhes que não se ausentassem de Jerusalém, mas que esperassem a promessa do Pai, que, disse ele, de mim ouvistes.
5 Porque, na verdade, João batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias.
6 Aqueles, pois, que se haviam reunido perguntaram-lhe, dizendo: Senhor, restaurarás tu neste tempo o reino a Israel?
7 E disse-lhes: Não vos pertence saber os tempos ou as estações que o Pai estabeleceu pelo seu próprio poder.
8 Mas recebereis a virtude do Espírito Santo, que há de vir sobre vós; e ser-me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra.
9 E, quando dizia isto, vendo-o eles, foi elevado às alturas, e uma nuvem o recebeu, ocultando-o a seus olhos.
10 E, estando com os olhos fitos no céu, enquanto ele subia, eis que junto deles se puseram dois homens vestidos de branco.
11 Os quais lhes disseram: Homens galileus, por que estais olhando para o céu? Esse Jesus, que dentre vós foi recebido em cima no céu, há de vir assim como para o céu o vistes ir.
12 Então voltaram para Jerusalém, do monte chamado das Oliveiras, o qual está perto de Jerusalém, à distância do caminho de um sábado.
13 E, entrando, subiram ao cenáculo, onde habitavam Pedro e Tiago, João e André, Filipe e Tomé, Bartolomeu e Mateus, Tiago, filho de Alfeu, Simão, o Zelote, e Judas, irmào de Tiago.
14 Todos estes perseveravam unanimemente em oração e súplicas, com as mulheres, e Maria mãe de Jesus, e com seus irmãos.
15 E naqueles dias, levantando-se Pedro no meio dos discípulos (ora a multidão junta era de quase cento e vinte pessoas) disse:
16 Homens irmãos, convinha que se cumprisse a Escritura que o Espírito Santo predisse pela boca de Davi, acerca de Judas, que foi o guia daqueles que prenderam a Jesus;
17 Porque foi contado conosco e alcançou sorte neste ministério.
18 Ora, este adquiriu um campo com o galardão da iniqüidade; e, precipitando-se, rebentou pelo meio, e todas as suas entranhas se derramaram.
19 E foi notório a todos os que habitam em Jerusalém; de maneira que na sua própria língua esse campo se chama Aceldama, isto é, Campo de Sangue.
20 Porque no livro dos Salmos está escrito: Fique deserta a sua habitação, E não haja quem nela habite, e: Tome outro o seu bispado.
21 É necessário, pois, que, dos homens que conviveram conosco todo o tempo em que o Senhor Jesus entrou e saiu dentre nós,
22 Começando desde o batismo de João até ao dia em que de entre nós foi recebido em cima, um deles se faça conosco testemunha da sua ressurreição.
23 E apresentaram dois: José, chamado Barsabás, que tinha por sobrenome o Justo, e Matias.
24 E, orando, disseram: Tu, Senhor, conhecedor dos corações de todos, mostra qual destes dois tens escolhido,
25 Para que tome parte neste ministério e apostolado, de que Judas se desviou, para ir para o seu próprio lugar.
26 E, lançando-lhes sortes, caiu a sorte sobre Matias. E por voto comum foi contado com os onze apóstolos.
Atos 2
Ouça o áudio do capítulo:
1 E, cumprindo-se o dia de Pentecostes, estavam todos concordemente no mesmo lugar;
2 E de repente veio do céu um som, como de um vento veemente e impetuoso, e encheu toda a casa em que estavam assentados.
3 E foram vistas por eles línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um deles.
4 E todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem.
5 E em Jerusalém estavam habitando judeus, homens religiosos, de todas as nações que estão debaixo do céu.
6 E, quando aquele som ocorreu, ajuntou-se uma multidão, e estava confusa, porque cada um os ouvia falar na sua própria língua.
7 E todos pasmavam e se maravilhavam, dizendo uns aos outros: Pois quê! não são galileus todos esses homens que estão falando?
8 Como, pois, os ouvimos, cada um, na nossa própria língua em que somos nascidos?
9 Partos e medos, elamitas e os que habitam na Mesopotâmia, Judéia, Capadócia, Ponto e Asia,
10 E Frígia e Panfília, Egito e partes da Líbia, junto a Cirene, e forasteiros romanos, tanto judeus como prosélitos,
11 Cretenses e árabes, todos nós temos ouvido em nossas próprias línguas falar das grandezas de Deus.
12 E todos se maravilhavam e estavam suspensos, dizendo uns para os outros: Que quer isto dizer?
13 E outros, zombando, diziam: Estão cheios de mosto.
14 Pedro, porém, pondo-se em pé com os onze, levantou a sua voz, e disse-lhes: Homens judeus, e todos os que habitais em Jerusalém, seja-vos isto notório, e escutai as minhas palavras.
15 Estes homens não estão embriagados, como vós pensais, sendo a terceira hora do dia.
16 Mas isto é o que foi dito pelo profeta Joel:
17 E nos últimos dias acontecerá, diz Deus, Que do meu Espírito derramarei sobre toda a carne; E os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, Os vossos jovens terão visões, E os vossos velhos sonharão sonhos;
18 E também do meu Espírito derramarei sobre os meus servos e as minhas servas naqueles dias, e profetizarão;
19 E farei aparecer prodígios em cima, no céu; E sinais em baixo na terra, Sangue, fogo e vapor de fumo.
20 O sol se converterá em trevas, E a lua em sangue, Antes de chegar o grande e glorioso dia do Senhor;
21 E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.
22 Homens israelitas, escutai estas palavras: A Jesus Nazareno, homem aprovado por Deus entre vós com maravilhas, prodígios e sinais, que Deus por ele fez no meio de vós, como vós mesmos bem sabeis;
23 A este que vos foi entregue pelo determinado conselho e presciência de Deus, prendestes, crucificastes e matastes pelas mãos de injustos;
24 Ao qual Deus ressuscitou, soltas as ânsias da morte, pois não era possível que fosse retido por ela;
25 Porque dele disse Davi: Sempre via diante de mim o Senhor, Porque está à minha direita, para que eu não seja comovido;
26 Por isso se alegrou o meu coração, e a minha língua exultou; E ainda a minha carne há de repousar em esperança;
27 Pois não deixarás a minha alma no inferno, Nem permitirás que o teu Santo veja a corrupção;
28 Fizeste-me conhecidos os caminhos da vida; Com a tua face me encherás de júbilo.
29 Homens irmãos, seja-me lícito dizer-vos livremente acerca do patriarca Davi, que ele morreu e foi sepultado, e entre nós está até hoje a sua sepultura.
30 Sendo, pois, ele profeta, e sabendo que Deus lhe havia prometido com juramento que do fruto de seus lombos, segundo a carne, levantaria o Cristo, para o assentar sobre o seu trono,
31 Nesta previsão, disse da ressurreição de Cristo, que a sua alma não foi deixada no inferno, nem a sua carne viu a corrupção.
32 Deus ressuscitou a este Jesus, do que todos nós somos testemunhas.
33 De sorte que, exaltado pela destra de Deus, e tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vós agora vedes e ouvis.
34 Porque Davi não subiu aos céus, mas ele próprio diz:Disse o Senhor ao meu Senhor:Assenta-te à minha direita,
35 Até que ponha os teus inimigos por escabelo de teus pés.
36 Saiba pois com certeza toda a casa de Israel que a esse Jesus, a quem vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo.
37 E, ouvindo eles isto, compungiram-se em seu coração, e perguntaram a Pedro e aos demais apóstolos: Que faremos, homens irmãos?
38 E disse-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para perdão dos pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo;
39 Porque a promessa vos diz respeito a vós, a vossos filhos, e a todos os que estão longe, a tantos quantos Deus nosso Senhor chamar.
40 E com muitas outras palavras isto testificava, e os exortava, dizendo: Salvai-vos desta geração perversa.
41 De sorte que foram batizados os que de bom grado receberam a sua palavra; e naquele dia agregaram-se quase três mil almas,
42 E perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e nas orações.
43 E em toda a alma havia temor, e muitas maravilhas e sinais se faziam pelos apóstolos.
44 E todos os que criam estavam juntos, e tinham tudo em comum.
45 E vendiam suas propriedades e bens, e repartiam com todos, segundo cada um havia de mister.
46 E, perseverando unânimes todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam juntos com alegria e singeleza de coração,
47 Louvando a Deus, e caindo na graça de todo o povo. E todos os dias acrescentava o Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar.
Atos 3
Ouça o áudio do capítulo:
1 E Pedro e João subiam juntos ao templo à hora da oração, a nona.
2 E era trazido um homem que desde o ventre de sua mãe era coxo, o qual todos os dias punham à porta do templo, chamada Formosa, para pedir esmola aos que entravam.
3 O qual, vendo a Pedro e a João que iam entrando no templo, pediu que lhe dessem uma esmola.
4 E Pedro, com João, fitando os olhos nele, disse: Olha para nós.
5 E olhou para eles, esperando receber deles alguma coisa.
6 E disse Pedro: Não tenho prata nem ouro; mas o que tenho isso te dou. Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e anda.
7 E, tomando-o pela mão direita, o levantou, e logo os seus pés e artelhos se firmaram.
8 E, saltando ele, pôs-se em pé, e andou, e entrou com eles no templo, andando, e saltando, e louvando a Deus.
9 E todo o povo o viu andar e louvar a Deus;
10 E conheciam-no, pois era ele o que se assentava a pedir esmola à porta Formosa do templo; e ficaram cheios de pasmo e assombro, pelo que lhe acontecera.
11 E, apegando-se o coxo, que fora curado, a Pedro e João, todo o povo correu atônito para junto deles, ao alpendre chamado de Salomão.
12 E quando Pedro viu isto, disse ao povo: Homens israelitas, por que vos maravilhais disto? Ou, por que olhais tanto para nós, como se por nossa própria virtude ou santidade fizéssemos andar este homem?
13 O Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó, o Deus de nossos pais, glorificou a seu filho Jesus, a quem vós entregastes e perante a face de Pilatos negastes, tendo ele determinado que fosse solto.
14 Mas vós negastes o Santo e o Justo, e pedistes que se vos desse um homem homicida.
15 E matastes o Príncipe da vida, ao qual Deus ressuscitou dentre os mortos, do que nós somos testemunhas.
16 E pela fé no seu nome fez o seu nome fortalecer a este que vedes e conheceis; sim, a fé que vem por ele, deu a este, na presença de todos vós, esta perfeita saúde.
17 E agora, irmãos, eu sei que o fizestes por ignorância, como também os vossos príncipes.
18 Mas Deus assim cumpriu o que já dantes pela boca de todos os seus profetas havia anunciado; que o Cristo havia de padecer.
19 Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que sejam apagados os vossos pecados, e venham assim os tempos do refrigério pela presença do Senhor,
20 E envie ele a Jesus Cristo, que já dantes vos foi pregado.
21 O qual convém que o céu contenha até aos tempos da restauração de tudo, dos quais Deus falou pela boca de todos os seus santos profetas, desde o princípio.
22 Porque Moisés disse aos pais: O Senhor vosso Deus levantará de entre vossos irmãos um profeta semelhante a mim; a ele ouvireis em tudo quanto vos disser.
23 E acontecerá que toda a alma que não escutar esse profeta será exterminada dentre o povo.
24 Sim, e todos os profetas, desde Samuel, todos quantos depois falaram, também predisseram estes dias.
25 Vós sois os filhos dos profetas e da aliança que Deus fez com nossos pais, dizendo a Abraão: Na tua descendência serão benditas todas as famílias da terra.
26 Ressuscitando Deus a seu Filho Jesus, primeiro o enviou a vós, para que nisso vos abençoasse, no apartar, a cada um de vós, das vossas maldades.
O Grande Conflito
O Mais Sagrado Direito do Homem
Ouça o áudio do capítulo:
Os reformadores ingleses, conquanto renunciassem às doutrinas do romanismo, retiveram muitas de suas formas. Assim, posto que rejeitados a autoridade e o credo de Roma, não poucos de seus costumes e cerimônias foram incorporados ao culto da Igreja Anglicana. Alegava-se que essas coisas não constituíam questões de consciência, e que, embora não ordenadas nas Escrituras, e conseguintemente não essenciais, não eram más em si mesmas, visto não serem proibidas. Sua observância tendia a diminuir o abismo que separava de Roma as igrejas reformadas, e insistia-se que promoveriam a aceitação da fé protestante pelos romanistas. GC 289.1
Aos conservadores e condescendentes, pareciam decisivos estes argumentos. Havia, porém, outra classe que assim não pensava. O fato de que esses costumes “tendiam a lançar uma ponte sobre o abismo entre Roma e a Reforma” (Martyn), era em sua opinião um argumento conclusivo contra o retê-los. Olhavam para eles como distintivos da escravidão de que haviam sido libertados, e para a qual não se sentiam dispostos a voltar. Raciocinavam que Deus, em Sua Palavra, estabeleceu regras para ordenar o Seu culto, e que os homens não estão na liberdade de acrescentar a essas regras ou delas tirar qualquer coisa. O princípio mesmo da grande apostasia consistiu em procurar fazer da autoridade da igreja um suplemento da autoridade de Deus. Roma começou por ordenar o que Deus não tinha proibido, e acabou por proibir o que Ele havia explicitamente ordenado. GC 289.2
Muitos desejavam fervorosamente voltar à pureza e simplicidade que caracterizavam a igreja primitiva. Consideravam muitos dos costumes estabelecidos pela Igreja Anglicana como monumentos da idolatria, e não podiam conscienciosamente unir-se a seu culto. Mas a igreja, apoiada pela autoridade civil, não permitia opiniões contrárias às suas formas. A assistência aos seus cultos era exigida por lei, e proibiam-se as assembléias para culto que não tivessem autorização, sob pena de encarceramento, exílio e morte. GC 290.1
No início do século XVII, o monarca que acabara de subir ao trono da Inglaterra declarou sua decisão de fazer com que os puritanos “se conformassem ou ... oprimi-los-ia para saírem do país, ou faria coisa pior.” — História dos Estados Unidos da América, George Bancroft. Perseguidos e aprisionados, não podiam divisar no futuro vislumbres de melhores dias, e muitos chegaram à convicção de que, para os que quisessem servir a Deus segundo os ditames de sua consciência, “a Inglaterra estava deixando de ser para sempre um lugar habitável.” — História da Nova Inglaterra, J. G. Palfrey. Alguns resolveram, por fim, buscar refúgio na Holanda. Encararam dificuldades, prejuízos e prisão. Seus intuitos foram contrariados, e eles entregues às mãos de seus inimigos. Mas a inabalável perseverança venceu finalmente, e encontraram abrigo nas praias amigas da república holandesa. GC 290.2
Em sua fuga deixaram casas, bens e meios de vida. Eram estrangeiros em terra estranha, entre um povo de língua e costumes diferentes. Foram obrigados a recorrer a ocupações novas e a que não estavam afeitos, a fim de ganhar o pão. Homens de meia-idade, que haviam despendido a vida no cultivo do solo, tiveram agora de aprender ofícios mecânicos. Animadamente, porém, enfrentaram a situação, e não perderam tempo em ociosidade ou murmurações. Posto que muitas vezes premidos pela pobreza, agradeciam a Deus as bênçãos que ainda lhes eram concedidas, e encontravam alegria na tranqüila comunhão espiritual. “Sabiam que eram peregrinos, e não olhavam muito para essas coisas, mas levantavam os olhos ao Céu, seu mais caro país, e acalmavam o espírito.” — Bancroft. GC 290.3
Em meio de exílio e agruras, cresciam o amor e a fé. Confiavam nas promessas do Senhor, e Ele não faltava com elas no tempo de necessidade. Seus anjos estavam a seu lado, para animá-los e ampará-los. E, quando a mão de Deus pareceu apontar-lhes através do mar uma terra em que poderiam fundar para si um Estado e deixar a seus filhos o precioso legado da liberdade religiosa, seguiram eles, sem se arrecear, pela senda da Providência. GC 291.1
Deus permitira que viessem provações a Seu povo a fim de prepará-lo para o cumprimento de Seu misericordioso propósito em relação a ele. A igreja sofrera humilhações, para que pudesse ser exaltada. Deus estava a ponto de ostentar o Seu poder em favor dela, para dar ao mundo outra prova de que não abandonará os que nEle confiam. Dispusera os acontecimentos de maneira a fazer com que a ira de Satanás e as tramas de homens maus promovessem a Sua glória e levassem Seu povo a um lugar de segurança. A perseguição e o exílio estavam abrindo o caminho para a liberdade. GC 291.2
Quando constrangidos pela primeira vez a separar-se da Igreja Anglicana, os puritanos se uniram em solene concerto, como o povo livre do Senhor, “para andarem juntos em todos os Seus caminhos, por eles conhecidos ou a serem conhecidos.” — Os Pais Peregrinos, J. Brown. Ali estava o verdadeiro espírito da Reforma, o princípio vital do protestantismo. Foi com este intuito que os peregrinos partiram da Holanda para buscar um lar no Novo Mundo. João Robinson, seu pastor, que providencialmente foi impedido de os acompanhar, em sua mensagem de despedida aos exilados, disse: GC 291.3
“Irmãos: Em breve havemos de separar-nos, e só o Senhor sabe se viverei para que de novo veja o vosso rosto. Mas, seja qual for a divina vontade, conjuro-vos perante Deus e Seus santos anjos que não me sigais além do que eu haja seguido a Cristo. Se Deus vos revelar algo mediante qualquer outro instrumento Seu, sede tão prontos para recebê-lo como sempre fostes para acolher qualquer verdade por intermédio de meu ministério; pois estou seguro de que o Senhor tem mais verdade e luz, a irradiar de Sua Palavra.” — Martyn. GC 291.4
“De minha parte, não posso deplorar suficientemente a condição das igrejas reformadas, que, em religião, chegaram a um período estacionário, e não irão agora mais longe do que os instrumentos de sua reforma. Os luteranos não poderão ser arrastados a ir além do que Lutero viu; ... e os calvinistas, vós os vedes, estacam onde foram deixados por aquele grande homem de Deus, que não vira contudo todas as coisas. Esta é uma calamidade muito para se lamentar; pois, embora fossem luzes a arder e brilhar em seu tempo, não penetraram em todo o conselho de Deus; mas, se vivessem hoje, estariam tão dispostos a receber mais luz como o estiveram para aceitar a que a princípio acolheram.” — História dos Puritanos, D. Neal. GC 292.1
“Lembrai-vos de vosso concerto com a igreja, no qual concordastes em andar em todos os caminhos do Senhor, já revelados ou por serem ainda revelados. Lembrai-vos de vossa promessa e concerto com Deus, e de uns com os outros, de aceitar qualquer luz e verdade que se vos fizesse conhecida pela Palavra escrita; mas, além disso, tende cuidado, eu vos rogo, com o que recebeis por verdade, e comparai-o, pesai-o com outros textos da verdade antes de o aceitar; pois não é possível que o mundo cristão, depois de haver por tanto tempo permanecido em tão densas trevas anticristãs, obtivesse de pronto um conhecimento perfeito em todas as coisas.” — Martyn. GC 292.2
Foi o desejo de liberdade de consciência que inspirou os peregrinos a enfrentar os perigos da longa jornada através do mar, a suportar as agruras e riscos das selvas e lançar, com a bênção de Deus, nas praias da América do Norte, o fundamento de uma poderosa nação. Entretanto, sinceros e tementes a Deus como eram, os peregrinos não compreendiam ainda o grande princípio da liberdade religiosa. A liberdade, por cuja obtenção tanto se haviam sacrificado, não estavam igualmente dispostos a conceder a outros. “Muito poucos, mesmo dentre os mais eminentes pensadores e moralistas do século XVII, tinham exata concepção do grandioso princípio — emanado do Novo Testamento — que reconhece a Deus como único juiz da fé humana.” — Martyn. GC 292.3
A doutrina de que Deus confiara à igreja o direito de reger a consciência e de definir e punir a heresia, é um dos erros papais mais profundamente arraigados. Conquanto os reformadores rejeitassem o credo de Roma, não estavam inteiramente livres de seu espírito de intolerância. As densas trevas em que, através dos longos séculos de domínio, havia o papado envolvido a cristandade inteira, não tinham sido mesmo então completamente dissipadas. Disse um dos principais ministros da colônia da Baía de Massachusetts: “Foi a tolerância que tornou o mundo anticristão; e a igreja nunca sofreu dano com a punição dos hereges.” — Martyn. Foi adotado pelos colonos o regulamento de que apenas membros da igreja poderiam ter voz ativa no governo civil. Formou-se uma espécie de Estado eclesiástico, exigindo-se de todo o povo que contribuísse para o sustento do clero, concedendo-se aos magistrados autorização para suprimir a heresia. Assim, o poder secular encontrava-se nas mãos da igreja. Não levou muito tempo para que estas medidas tivessem o resultado inevitável: a perseguição. GC 293.1
Onze anos depois do estabelecimento da primeira colônia, Roger Williams veio ao Novo Mundo. Semelhantemente aos primeiros peregrinos, viera para gozar de liberdade religiosa; mas, divergindo deles, viu (o que tão poucos em seu tempo já haviam visto) que esta liberdade é direito inalienável de todos, seja qual for o credo professado. E era ele fervoroso inquiridor da verdade, sustentando, juntamente com Robinson, ser impossível que toda a luz da Palavra de Deus já houvesse sido recebida. Williams “foi a primeira pessoa da cristandade moderna a estabelecer o governo civil sobre a doutrina da liberdade de consciência, da igualdade de opiniões perante a lei.” Bancroft. Declarou ser o dever do magistrado restringir o crime, mas nunca dominar a consciência. “O público ou os magistrados podem decidir”, disse, “o que é devido de homem para homem; mas, quando tentam prescrever os deveres do homem para com Deus, estão fora de seu lugar, e não poderá haver segurança; pois é claro que, se o magistrado tem esse poder, pode decretar um conjunto de opiniões ou crenças hoje e outro amanhã, como tem sido feito na Inglaterra por diferentes reis e rainhas, e por diferentes papas e concílios na Igreja Romana, de maneira que semelhante crença degeneraria em acervo de confusão.” — Martyn. GC 293.2
A assistência aos cultos da igreja oficial era exigida sob pena de multa ou prisão. “Williams reprovou a lei; o pior regulamento do Código inglês era o que tornava obrigatória a assistência à igreja da paróquia. Obrigar os homens a unirem-se aos de credo diferente, considerava ele como flagrante violação de seus direitos naturais; arrastar ao culto público os irreligiosos e os que não queriam, apenas se assemelhava a exigir a hipocrisia. ... ‘Ninguém deveria ser obrigado a fazer culto’, acrescentava ele, ‘ou custear um culto, contra a sua vontade.’ ‘Pois quê?’ exclamavam seus antagonistas, aterrados com os seus dogmas, ‘não é o obreiro digno de seu salário?’ ‘Sim’, replicou ele, ‘dos que o assalariam.’” — Bancroft. GC 294.1
Roger Williams era respeitado e amado como ministro fiel e homem de raros dons, de inflexível integridade e verdadeira benevolência; contudo, sua inabalável negação do direito dos magistrados civis à autoridade sobre a igreja, e sua petição de liberdade religiosa, não podiam ser toleradas. A aplicação desta nova doutrina, dizia-se insistentemente, “subverteria o fundamento do Estado e do governo do país.” — Bancroft. Foi sentenciado a ser banido das colônias, e finalmente, para evitar a prisão, obrigado a fugir para a floresta virgem, debaixo do frio e das tempestades do inverno. GC 294.2
“Durante catorze semanas”, diz ele, “fui dolorosamente torturado pelas inclemências do tempo, sem saber o que era pão ou cama. Mas os corvos me alimentaram no deserto.” E uma árvore oca muitas vezes lhe serviu de abrigo. — Martyn. Assim continuou a penosa fuga através da neve e das florestas, até que encontrou refúgio numa tribo indígena, cuja confiança e afeição conquistara enquanto se esforçava por lhes ensinar as verdades do evangelho. GC 294.3
Tomando finalmente, depois de meses de sofrimentos e vagueações, rumo às praias da Baía de Narragansett, lançou ali os fundamentos do primeiro Estado dos tempos modernos que, no mais amplo sentido, reconheceu o direito da liberdade religiosa. GC 295.1
O princípio fundamental da colônia de Roger Williams era “que todo homem teria liberdade para adorar a Deus segundo os ditames de sua própria consciência.” — Martyn. Seu pequeno Estado — Rhode Island — tornou-se o refúgio dos oprimidos, e cresceu e prosperou até que seus princípios básicos — a liberdade civil e religiosa — se tornaram as pedras angulares da República Americana. GC 295.2
No grandioso e antigo documento que aqueles homens estabeleceram como a carta de seus direitos — a Declaração de Independência — afirmavam: “Consideramos como verdade evidente que todas as pessoas foram criadas iguais; que foram dotadas por seu Criador de certos direitos inalienáveis, encontrando-se entre estes a vida, a liberdade e a busca da felicidade.” E a Constituição garante, nos termos mais explícitos, a inviolabilidade da consciência: “Nenhum requisito religioso jamais se exigirá como qualificação para qualquer cargo de confiança pública nos Estados Unidos.” “O Congresso não fará nenhuma lei que estabeleça uma religião ou proíba seu livre exercício.” GC 295.3
“Os elaboradores da Constituição reconheceram o eterno princípio de que a relação do homem para com o seu Deus está acima de legislação humana, e de que seus direitos de consciência são inalienáveis. Não foi necessário o raciocínio para estabelecer esta verdade; temos consciência dela em nosso próprio íntimo. É essa consciência que, em desafio às leis humanas, tem sustentado tantos mártires nas torturas e nas chamas. Sentiam que seu dever para com Deus era superior às ordenanças humanas, e que nenhum homem poderia exercer autoridade sobre sua consciência. É um princípio inato que nada pode desarraigar.” — Documentos do Congresso (Estados Unidos da América do Norte). GC 295.4
Espalhando-se pelos países da Europa a notícia de uma terra onde todo homem gozava o fruto de seu próprio trabalho, obedecendo às convicções de sua consciência, milhares se concentraram nas praias do Novo Mundo. Multiplicaram-se rapidamente as colônias. “Massachusetts, em virtude de lei especial, estendia cordiais boas-vindas e auxílio, à expensa pública, aos cristãos de qualquer nacionalidade que fugissem através do Atlântico ‘para escaparem de guerras ou fome, ou da opressão de seus perseguidores’. Assim os fugitivos e opressos pela lei se faziam hóspedes da comunidade pública.” — Martyn. Vinte anos depois do primeiro embarque de Plymouth, outros tantos milhares de peregrinos se tinham estabelecido na Nova Inglaterra. GC 296.1
A fim de assegurarem o objetivo que procuravam, “contentavam-se com ganhar parca subsistência, por uma vida de frugalidade e labuta. Nada pediam do solo senão o razoável produto de seu próprio labor. Nenhuma visão dourada projetava falsa luz sobre seu caminho. ... Estavam contentes com o progresso vagaroso mas firme de sua política social. Suportavam pacientemente as privações do sertão, regando a árvore da liberdade com lágrimas e com o suor de seu rosto, até deitar ela profundas raízes na terra”. GC 296.2
A Escritura Sagrada era tida como fundamento da fé, a fonte da sabedoria e a carta da liberdade. Seus princípios eram diligentemente ensinados no lar, na escola e na igreja, e seus frutos se faziam manifestos na economia, inteligência, pureza e temperança. Poderia alguém morar durante anos nas colônias dos puritanos, “e não ver um bêbado nem ouvir uma imprecação ou encontrar um mendigo.” — Bancroft. Estava demonstrado que os princípios da Bíblia constituem a mais segura salvaguarda da grandeza nacional. As fracas e isoladas colônias desenvolveram-se em confederação de poderosos Estados, e o mundo notava com admiração a paz e prosperidade de “uma igreja sem papa e um Estado sem rei”. GC 296.3
Mas as praias da América do Norte atraíam um número de imigrantes sempre maior, em que atuavam motivos grandemente diversos dos que nortearam os primeiros peregrinos. Conquanto a fé e a pureza primitiva exercessem ampla e modeladora influência, veio a tornar-se cada vez menor ao aumentar o número dos que buscavam unicamente vantagens seculares. GC 296.4
O regulamento adotado pelos primeiros colonos, permitindo apenas a membros da igreja votar ou ocupar cargos no governo civil, teve os mais perniciosos resultados. Esta medida fora aceita como meio para preservar a pureza do Estado, mas resultou na corrupção da igreja. Estipulando-se o professar religião como condição para o sufrágio e para o exercício de cargos públicos, muitos, influenciados apenas por motivos de conveniência mundana, uniram-se à igreja sem mudança de coração. Assim as igrejas vieram a compor-se, em considerável proporção, de pessoas não convertidas; e mesmo no ministério havia os que não somente mantinham erros de doutrinas, mas que eram ignorantes acerca do poder renovador do Espírito Santo. Assim novamente se demonstraram os maus resultados, tantas vezes testemunhados na história da igreja, desde os dias de Constantino até ao presente, de procurar edificar a igreja com o auxílio do Estado, apelando para o poder temporal em apoio do evangelho dAquele que declarou: “Meu reino não é deste mundo.” João 18:36. A união da Igreja com o Estado, não importa quão fraca possa ser, conquanto pareça levar o mundo mais perto da igreja, não leva, em realidade, senão a igreja mais perto do mundo. GC 297.1
João 18:36
O grande princípio tão nobremente advogado por Robinson e Rogério Williams, de que a verdade é progressiva, de que os cristãos devem estar prontos para aceitar toda a luz que resplandecer da santa Palavra de Deus, foi perdido de vista por seus descendentes. As igrejas protestantes da América do Norte, assim como as da Europa, tão altamente favorecidas pelo recebimento das bênçãos da Reforma, deixaram de prosseguir na senda que se haviam traçado. Posto que de tempos em tempos surgissem alguns homens fiéis, a fim de proclamar novas verdades e denunciar erros longamente acariciados, a maioria, como os judeus do tempo de Cristo ou os romanistas do tempo de Lutero, contentava-se em crer como creram seus pais, e viver como eles viveram. Portanto, a religião degenerou novamente em formalismo; e erros e superstições que, houvesse a igreja continuado a andar à luz da Palavra de Deus, teriam sido repudiados, foram acalentados e retidos. Destarte, o espírito que fora inspirado pela Reforma, foi gradualmente arrefecendo até haver quase tão grande necessidade de reforma nas igrejas protestantes como na igreja romana ao tempo de Lutero. Havia o mesmo mundanismo e apatia espiritual, idêntica reverência às opiniões de homens, e substituição dos ensinos da Palavra de Deus pelas teorias humanas. GC 297.2
A ampla circulação da Escritura Sagrada nos princípios do século XIX, e a grande luz assim derramada sobre o mundo, não foram seguidas de um correspondente progresso no conhecimento da verdade revelada e na piedade prática. Satanás não pôde, como nos séculos anteriores, privar o povo da Palavra de Deus; esta foi posta ao alcance de todos; com o intuito porém, de ainda cumprir seu objetivo, levou muitos a tê-la em pouca conta. Os homens negligenciavam pesquisar as Escrituras, e assim continuaram a aceitar falsas interpretações e acalentar doutrinas que não tinham fundamento na Bíblia. GC 298.1
Vendo o malogro de seus esforços em aniquilar a verdade pela perseguição, Satanás de novo recorreu ao plano de condescendência, que deu como resultado a grande apostasia e a formação da Igreja de Roma. Induziu os cristãos a se aliarem, não com os pagãos, mas com os que, por seu apego às coisas deste mundo, tinham demonstrado ser tão verdadeiramente idólatras como o eram os adoradores de imagens de escultura. E os resultados desta união não foram menos perniciosos então do que nos séculos anteriores; o orgulho e a extravagância eram incentivados sob o disfarce de religião, e as igrejas se tornaram corruptas. Satanás continuou a perverter as doutrinas da Escritura Sagrada, e tradições que deveriam fazer a ruína de milhões estavam a deitar profundas raízes. A igreja mantinha e defendia essas tradições, em vez de contender pela “fé que uma vez foi dada aos santos.” Assim se degradaram os princípios por que os reformadores tanto haviam realizado e sofrido. GC 298.2